João Bosco lança o álbum de inéditas “Boca cheia de frutas”

BOCA

Sobre sons de crianças, de pássaros, de vozes que parecem vir de florestas ancestrais das Américas e da África, João Bosco entoa repetidas vezes o canto yanomami: “waruku waruku waruku këëi moramakī waruku waruku waruku këëi” (“boca cheia, boca cheia, boca cheia, boca cheia de frutas, boca cheia, boca cheia”). São os últimos instantes de “Boca cheia de frutas”, disco de canções inéditas que o artista lança pela Som Livre no dia 10 de maio.
Portanto, na sinfonia que entrelaça a terra e o humano, João amarra no último ato de seu álbum o sentido exposto no título: “Boca cheia de frutas”. O anúncio da fartura de cores e sabores, do que nasce do solo tornado alimento, do fim da fome e das fomes todas. Metáfora de futuro auspicioso, vindo não por acaso em língua indígena, num momento em que fica cada vez mais evidente que é dos povos originários que virá o adiamento do fim do mundo. A sabedoria de ver o futuro que a origem guarda. Sabedoria que o compositor desde sempre destila nas cordas de sua garganta e de seu violão.
Sua voz e seu instrumento, sábias de tempo na plenitude de seus 77 anos, são frutas que se apresentam na enorme boca do álbum. Assim como são frutas os legados de Aldir Blanc e Tom Jobim celebrados ali. Os orixás invocados. Os dinossauros do samba. O renascer após a ruína da alma. João Gilberto, fruto do Juazeiro. O bilhete de amor que podia ser pra você. A descrição da magia vulgar e da vulgaridade mágica do nascimento de uma canção. O cio da terra, eterno.
“Boca cheia de frutas” é, assim, um disco sobre o Brasil. O país da distopia de “O canto da Terra por um fio”, de rios asfixiados, da mata que arde. O país que se revela nos versos de “Buraco”, inspirados na história real do indígena que viveu isolado, morreu num buraco e “ao não se mostrar/ mostrou o Brasil”. O país da ausência, do vão. A boca sem nada, enfim — essa mesma que se projeta aqui cheia de frutas, boca farta que também é o Brasil. O país opulento que, no álbum e na mente do artista, se sobrepõe àquele outro, oco. No sonho de João, o vazio é berço da abundância.

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